Como a inclusão irá mudar o mundo – e de quebra revolucionar a tecnologia

Em 2022, a população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas acima dos 2 anos de idade, o que corresponde a 8,9% da população brasileira. É o que diz o levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que também indicou outros resultados preocupantes: a taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência foi de 19,5%, enquanto que para pessoas sem deficiência foi de 4,1%. Ainda, apenas 29,2% das pessoas com deficiência estavam na força de trabalho. 

Mesmo com formação em ensino superior, a discrepância de participação de pessoas com deficiência não apenas na força de trabalho, mas também na vivência em sociedade, expõe a necessidade de avanços e mudanças drásticas para que essa população tenha acesso à qualidade de vida e às diversas esferas do universo como um direito garantido. A partir disso,  a tecnologia e a inovação se misturam com o cotidiano dessa população e se tornam grandes aliadas na garantia desses direitos. 

O que é Tecnologia Assistiva?

Tecnologia Assistiva (TA) foca no suporte a pessoas com deficiência ou portadoras de limitações que dificultam sua vida cotidiana, de forma que seja necessário auxílio em atividades sensoriais, motoras, cognitivas ou linguísticas. Sendo assim, a TA pode ser classificada como qualquer item ou equipamento que é usado para aumentar, manter ou melhorar as capacidades funcionais de pessoas com deficiência e, com isso, proporcionar maior qualidade de vida e inclusão social.

Esse tipo de tecnologia foca, principalmente, em melhorar algum aspecto da vida do usuário para que suas habilidades sejam executadas sem ou com pouca influência da deficiência e em prover alternativas para realizar tarefas de forma a compensar tais dificuldades. Afinal, a definição primordial de tecnologia se refere à qualquer técnica ou conjunto de  técnicas de um domínio particular; é o aperfeiçoamento das habilidades humanas, que se desdobram de maneiras distintas e caricatas ao longo da história. Para essa população, a tecnologia torna a vida possível

Afinal, quais são as tecnologias que podem auxiliar o 1/3 da população mundial que possui algum tipo de deficiência, segundo a OMS? 

O exemplo mais básico pode estar entre suas orelhas nesse momento: o óculos! Quando pensamos em Tecnologia Assistiva, o que vem em mente geralmente envolve os grandes avanços em programação dos últimos anos (e que iremos aprofundar ao longo desse texto), mas objetos cotidianamente utilizados como óculos, bengalas, cadeiras de rodas e fones de ouvido também são responsáveis por garantir a qualidade de vida de uma pessoa com algum tipo de limitação.

Se buscarmos exemplos clássicos na tecnologia como a conhecemos hoje, legendas, mensagens de voz do WhatsApp e ferramentas de conversão text-to-speech são soluções que à primeira vista soam como “simples”, mas são tão complexas e essenciais para o auxílio da população quanto os avanços que parecem ter saído de um filme de ficção científica. 

De acordo com os pesquisadores e escritores José Tonolli e Rita Bersch, a TA pode ser classificada nas seguintes categorias:

    • Auxílios para a vida diária: São ferramentas e materiais para auxílio de tarefas cotidianas como comer, cozinhar, tomar banho e executar funções como cuidar da casa.

    • Comunicação aumentativa e alternativa: Refere-se a recursos, eletrônicos ou não, que permitem a comunicação de pessoas sem a fala ou com limitações desta.

    • Recursos de acessibilidade ao computador e ao celular: Consistem em equipamentos de síntese de voz, Braille, auxílios alternativos como ponteiras e sinais luminosos, teclados adaptados, acionadores de movimento e softwares embarcados destinados ao auxílio do acesso ao computador e ao celular.

    • Sistemas de controle de ambiente: São sistemas eletrônicos que permitem pessoas com limitações moto-locomotoras a controlar remotamente partes de um ambiente como janelas, portas e cortinas.

    • Projetos arquitetônicos para acessibilidade: São adaptações estruturais nos ambientes em que as pessoas circulam, seja em casa, na rua ou no trabalho, que reduzem ou removem as barreiras físicas potencialmente prejudiciais para o deslocamento e uso dessas áreas por pessoas com deficiência.

    • Órteses e próteses: Auxiliam ou substituem partes do corpo faltantes ou com funcionamento comprometido através de protéticos ou recursos como talas e apoios. 

    • Adequação postural: São cadeiras de rodas ou outros sistemas adaptados visando o conforto e a distribuição de pressão adequada na pele para evitar problemas como ferimentos por conta de estar na mesma posição constantemente ou complicações de saúde por falta de sustentação adequada ao corpo.

    • Auxílios de mobilidade: São as muletas, andadores, bengalas, cadeiras de rodas, cadeiras motorizadas e qualquer outro equipamento que vise melhorar a mobilidade e deslocamento da pessoa.

    • Auxílios para cegos ou com visão subnormal: Refere-se a recursos que incluem lupas, Braille para equipamentos com síntese de voz, telas adaptadas para melhor visualização, aumento de fonte para leitura, impressoras de pontos Braille e até cães-guia.

    • Auxílios para surdos ou com déficit auditivo: Aparelhos auditivos, implantes cocleares, telefones com teclado – teletipo (TTY), sistemas com alertas visuais e sensoriais e sinais luminosos são alguns exemplos de TAs para surdos.

    • Adaptações em veículos: Englobam veículos adaptados para possibilitar a condução de veículos, como adaptação de pedais e acessórios de volante, bem como incluem adaptações como rampas móveis para cadeiras de rodas em ônibus e outros veículos de transporte.

Como a inclusão revoluciona a tecnologia - e vice-versa

O rápido avanço nas tecnologias atuais, principalmente na área da Inteligência Artificial e Redes Neurais, têm impulsionado imensamente o desenvolvimento e aprimoramento das Tecnologias Assistivas. Não vamos entrar em termos técnicos demais – entender uma Rede Convolucional é difícil por si só. Os exemplos que trazemos abaixo demonstram como a necessidade e o desejo de tornar a vida das pessoas com deficiência cada vez mais acessível caminham em conjunto com a evolução tecnológica e resultam em projetos nacionais e internacionais que exibem a verdadeira revolução que estamos presenciando ao criar essas soluções.

É a maior plataforma de tradução em línguas de sinais do mundo. É um plugin/aplicativo para sites e organizações que conta com tradutores virtuais 3D, que realizam traduções de frases escritas em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e em ASL (Língua Americana de Sinais), além de traduzir o conteúdo de sites do português para Libras. Se você já viu o símbolo abaixo em algum canto de um site, provavelmente era essa Tecnologia Assistiva!

É uma iniciativa brilhante responsável por criar uma luva capaz de aprender a traduzir qualquer língua de sinais no mundo para qualquer idioma existente, quase que em um formato text-to-speech. Por exemplo, se você fala Libras e deseja se comunicar em inglês, a BrightSign Glove é capaz de realizar essa tarefa sem qualquer dificuldade. Combinando Visão Computacional e Processamento de Linguagem Natural com sensores de ponta, essa Tecnologia Assistiva revoluciona o modo como pessoas surdas ou com dificuldade de fala podem se comunicar com qualquer indivíduo no mundo.

Iniciativa nacional, que consiste em um projeto de Inteligência Artificial inclusiva em desenvolvimento para interpretar sinais de surdos. Semelhante ao exemplo anterior, combina recursos de Visão Computacional e Processamento de Linguagem Natural para analisar sinais feitos por um usuário a uma câmera e traduzir em texto escrito e falado. O projeto ainda está em desenvolvimento e conta com uma Vakinha para auxiliar no seu avanço.

São dispositivos complexos que transmitem som às pessoas com perda profunda de audição. O implante consiste em uma parte externa que é acoplada a uma parte cirurgicamente colocada abaixo da pele da pessoa. Ao captar o som, o microfone transmite o sinal para um processador de fala e posteriormente para um sistema receptor, que converte o sinal em pulsos elétricos e os espalha ao longo do nervo auditivo, o que possibilita que a pessoa possa entender a fala e o ambiente ao seu redor.

É um aplicativo composto por uma comunidade global de pessoas cegas ou com visão limitada, em conjunto com voluntários sem deficiência visual. Através de uma chamada de vídeo, o voluntário dá auxílio visual e descreve o que está vendo pela câmera, independente da situação. O aplicativo é gratuito e está disponível em ambos iOS e Android.

Dispositivo eletrônico que permite que usuários com dificuldade de mobilidade como paralisia cerebral, sequelas de AVCs ou paraplegia possam acessar um dispositivo de comunicação utilizando o movimento dos olhos. O teclado embutido na tela permite que o usuário forme palavras e frases e utilize a opção de text-to-speech para clareza na comunicação. Há ainda centenas de frases e ações pré-definidas, que facilitam e possibilitam que o usuário possa se comunicar sem esforço com o mundo ao redor.

Projeto da Microsoft que desenvolveu um wearable em formato de relógio capaz de auxiliar Emma Lawton, uma artista que sofre de Doença de Parkinson, a diminuir seus tremores através de impulsos elétricos e vibrações que “enganam” o cérebro. Abaixo há uma ilustração que a própria Emma desenhou antes e depois de utilizar o dispositivo!

Empresa que desenvolveu uma colher adaptativa para pessoas com dificuldade de locomoção ou doenças como Parkinson. A colher estabiliza o movimento da mão e, como os criadores colocam, promove dignidade, confiança e independência para seus usuários.

Empresa britânica que desenvolve prostéticos robóticos personalizados para pessoas com amputações abaixo do cotovelo. Além de extremamente preciso, o braço biônico é customizável e possibilita realizar atividades com confiança e independência. Infelizmente os prostéticos ainda não estão disponíveis na América Latina, mas é possível adquiri-los na Europa e Estados Unidos.

Esses são apenas alguns exemplos do que a tecnologia, aliada à inclusão, pode fazer pela vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo. Outros exemplos, como o DEKA Bionic Arm e bengalas eletrônicas desenvolvidas na Universidade Federal de Pelotas também são de extrema importância para a garantia dos direitos aqui citados. 

É importante destacar que tecnologias mais “simples” como as citadas anteriormente também seguem de extrema importância – afinal, adaptar o ambiente para que todos possam acessá-lo é o primeiro passo para garantir o sucesso do emprego de uma Tecnologia Assistiva.

Como garantir o acesso?

Tudo o que falamos até agora soa verdadeiramente esperançoso – é inspirador ver que tantas pessoas dedicam suas vidas para auxiliar uma população que geralmente é invisibilizada de todas as formas possíveis. No entanto, essa tecnologia nem sempre chega àqueles que precisam, e a capa da invisibilidade é muito maior do que pensamos.

Não bastassem as dificuldades cotidianas e muitas vezes vitalícias, pessoas com deficiência, mesmo buscando ajuda em centros de reabilitação para tratamento e melhorias nas condições de saúde, enfrentam uma realidade assustadora: de acordo com a OMS, há menos de 10 profissionais capacitados em centros de reabilitação para cada 1 milhão de pessoas em cenários de média e baixa renda. 

O alto preço nas tecnologias também é um fator inibidor. A maioria dos dispositivos e soluções tem um alto custo para ser desenvolvido, e dependem de uma equipe multidisciplinar e altamente capacitada para aprimorar cada vez mais o que já existe e descobrir caminhos nunca antes pensados. Por isso, é de extrema importância entender como alcançar essa população com as perspectivas animadoras que vimos anteriormente. 

Quais soluções temos?

Essa seção não tem como objetivo desmotivar sobre tudo o que discutimos até agora – na verdade, proponho essa discussão para pensarmos em como eu, você caro leitor, e o restante da sociedade podemos auxiliar e incentivar os avanços atuais. 

O financiamento de mecanismos para facilitar o acesso universal, o monitoramento e evolução dos programas já existentes e o treinamento de profissionais das áreas da saúde e tecnologia para direcionar ao cuidado de pessoas com deficiência são alguns exemplos do que pode ser feito. Mesmo com tudo isso, não basta apenas o incentivo e a vontade de empresas e pesquisadores de tornar a tecnologia acessível; a mudança pode iniciar na conscientização das pessoas ao nosso redor. 

Sendo assim, procure os centros locais de sua cidade como a APAE para entrar em contato com esse mundo, incentive familiares e amigos a doarem para instituições responsáveis por financiar e auxiliar os projetos voltados às Tecnologias Assistivas e à garantia da qualidade de vida dessa população e, se tiver alguma ideia, entre em contato com instituições e empresas capazes de produzir tecnologia sem dor e com expertise – como a Hubbe!

Por Larissa Brandão Pasinato